Nova—Velha Dança | Programa Parasita

Nova—Velha Dança é um ciclo distribuído por cinco meses e composto por espetáculos, exposições, conversas e workshops que ‘parasita’ a actividade cultural da cidade de Santarém.
Exposições _ 24 de fev. a 17 jun.
24 fev. às 21h00
Para uma Timeline a Haver — genealogias da dança enquanto prática artística em Portugal
Construindo na galeria do Teatro Sá da Bandeira uma cronologia para a dança em Portugal, PARA UMA TIMELINE A HAVER é um exercício colectivo de investigação e de sinalização de marcos relativos ao desenvolvimento e disseminação da dança como prática artística em Portugal nos séculos XX e XXI, com especial incidência na segunda metade do século XX.
Levado a cabo entre 2016 e 2017 e assumindo o presente como lugar de enunciação, propõe a construção singular de uma série de cronologias para a dança contemporânea em Portugal, relacionando eventos de matriz social, política, cultural, biográfica e artística — sugeridos como significativos por bailarinos, coreógrafos, críticos, técnicos, historiadores e espectadores.
Com este exercício, trata-se de sinalizar episódios que — influenciando autores, práticas e instituições — foram delineando a história da dança em Portugal, inserindo-os numa perspetiva alargada tanto das transformações pelas quais a sociedade portuguesa passou como do discurso sobre o coreográfico (e o que é ou pode ser a dança como prática artística), de modo a entrever tensões, momentos-chave e episódios emblemáticos.
— Ana Bigotte Vieira e João dos Santos Martins
Curadoria, investigação e edição: Ana Bigotte Vieira, João dos Santos Martins; Coordenação do projeto de ativação: Ana Bigotte Vieira; Apoio à pesquisa: Pedro Cerejo, Sílvia Pinto Coelho; Produção: Associação Parasita; Apoio: Fundação Calouste Gulbenkian; Parceria: Instituto de História Contemporânea, Centro de Estudos de Teatro; Design: Amaral Schefer; Agradecimentos: Paula Caspão, Maria José Fazenda, Daniel Tércio
Local: Bar-galeria do Teatro Sá da Bandeira
A Dança do Existir
Retrospetiva em imagens do trabalho coreográfico de Vera Mantero
Cerca de 30 fotografias que traçam o percurso de Vera Mantero, das suas primeiras criações às mais recentes. A exposição integra ainda a consulta de registos videográficos de alguns dos trabalhos da coreógrafa.
Curadoria: João dos Santos Martins com O Rumo do Fumo; Produção: O Rumo do Fumo; Fotos de: Alcino Gonçalves, Dirk Rose, Henrique Delgado, José Fabião, Jorge Gonçalves, João Tuna, Laurent Philippe
Local: Piano-bar do Teatro Sá da Bandeira
Conversas e ativações da Timeline com Ana Bigotte Vieira
24 fev. | Vera Mantero
11 mar. | João Fiadeiro e Paula Caspão
6 abr. | Teresa Silva e Filipe Pereira
20 mai. | António Olaio, Clara Menéres, Verónica Metello, Vânia Rovisco, Carlota Lagido, Daniel Pizamiglio, Sónia Baptista e convidados
16 jun. | Ana Rita Teodoro e Carlos Manuel Oliveira
24 fev. às 21h30 | Performances
Vera Mantero
3Soli (90’ 2 intervalos | M/12)
Em 1993, escrevia Alexandre Melo no “Expresso” que os portugueses não tinham corpo: “Os discursos maioritários não abordam a sexualidade e, sobretudo, as questões de diferenciação, discriminação e repressão sexual.” Dizia isto a propósito da emergência súbita e inusitada de um corpo sexualizado e carnal, agente de transformação, no trabalho de Vera Mantero e Francisco Camacho, figuras proeminentes do movimento a que se deu o nome de Nova Dança Portuguesa. Talvez ela pudesse dançar primeiro e pensar depois era o título da peça de Vera Mantero que anunciava esta mudança de paradigma. É também a peça que inaugura este ciclo.
Numa noite de peças curtas, originalmente produzidas entre 1991 e 1996, Mantero não apenas testemunha um processo subjectivo de relação com o legado pós-colonial e o vazio político-cultural sentido à época pela coreógrafa, como traz a Santarém uma prática artística paradoxal, trespassada por mais de duas décadas de actividade contínua.
uma misteriosa Coisa, disse o e.e.cummings*, 1996
Estou a escrever-te porque sinto que não me expliquei bem sobre porque criei esta imagem de uma mulher metade negra, metade branca (principalmente negra!). Do que me lembro agora foi de ter ficado muito impressionada, na história da Josephine Baker, com o impacto que o seu corpo teve na Europa (basicamente em Franca). Os homens ficaram loucos com ela, com aquela coisa exótica, aquela coisa louca, cómica e sexy. O seu corpo (quase nu) e as suas, digamos, dinâmicas (energia/movimento/comicidade) criou todo um frisson em torno dela. Logo, se quisesse trabalhar sobre ela eu teria que, de algum modo, trazer de volta o corpo dela, era incontornável. E, sendo branca, teria que me tornar negra para poder trazer de volta o seu corpo.
Claro que assim que pensei em pintar-me de negra adorei a ideia, porque na altura (e talvez ainda agora) interessava-me muito a ideia de metamorfosear o meu corpo. Adoro tudo o que seja mudar o nosso aspeto enquanto seres humanos, mudar a nossa imagem, transformando o que somos habitualmente, sendo outros seres, ainda que por pouco tempo.
Assim que pensei nisso também gostei imenso da ideia porque me apercebi imediatamente do efeito fortíssimo que uma pessoa ter duas cores ao mesmo tempo iria criar. Especialmente ser negra e ser branca ao mesmo tempo. Já não há nem um lado nem o outro, há os dois lados numa única entidade, duas “raças” num só corpo. “Recebo a tua cor em mim." Há ainda a vibração ou fricção que a impossibilidade e o paradoxo criam.
E, de certa forma, a Josephine Baker também se tornou meio negra, meio branca ao longo da sua vida, porque ela foi completamente assimilada pela cultura branca europeia.
E há ainda, pelo menos, mais uma razão para esta “mulher de duas faces”, que é eu ter de me confrontar com a “missão” de fazer um solo sobre alguém (já tive este problema ao fazer um solo sobre o Nijinsky): como faço para assumir esta missão? Falo apenas da outra pessoa? Ou deverei falar também de mim?
Como me posiciono no “meio” desta pessoa, no meio deste trabalho sobre esta pessoa? A mulher branca e negra é também uma resposta a esta questão, faço uma espécie de fusão.
Outra coisa: os negros têm uma História (terrível) de tentarem tornar a sua pele branca. E eu sabia que estava a virar a história de pernas para o ar ao pintar-me de negra.
— Carta de Vera Mantero a Aylin Ersoz
* o que ele disse de facto sobre a Josephine:"Uma misteriosa Coisa, nem primitiva nem civilizada, ou para além do tempo, no sentido em que a emoção está para além da aritmética”
Conceção e Interpretação: Vera Mantero; Caracterização: Alda Salavisa (Desenho Original: Carlota Lagido); Adereços: Teresa Montalvão; Desenho de Luz Original: João Paulo Xavier; Adaptação e Operação de Luz: Hugo Coelho; Produção Executiva: Fórum Dança; Apoio: Casa da Juventude de Almada, Re.al / Amascultura; Produção: Culturgest, Lisboa, 1996 / ‘Homenagem a Josephine Baker’
Talvez ela pudesse dançar primeiro e pensar depois, 1991
Escrevia Mantero na folha de sala nessa altura: “A minha relação com a dança gira à volta das seguintes questões: o que é que a dança diz? O que é que eu posso dizer com a dança? O que é que eu estou a dizer quando estou a dançar?” A capacidade e a incapacidade de a dança DIZER estavam no centro das preocupações criativas da autora à época (... não estarão ainda?). A estratégia de inclusão (nas ações, nos movimentos, nos impulsos) de outros materiais que não os habitualmente utilizados pela dança foi o recurso e a pesquisa que a autora empreendeu para forçar-empurrar-pressionar a dança a DIZER.
Um fenómeno algo raro e curioso se deu com este solo: a sua apresentação nunca foi interrompida, ele tem sido apresentado regularmente ao longo dos últimos 26 anos. E se a dita falta de crença começou por produzir um solo algo angustiado e sofrido, essa apresentação contínua e repetida transformou o trabalho e transportou-o dessa zona de dor e angústia para uma zona bem mais luminosa, de humor e gozo, deixando no entanto intactas as suas estruturas e fundações.
Conceção e Interpretação: Vera Mantero; Cenografia: André Lepecki; Desenho de Luz: João Paulo Xavier; Música: ‘Ruby, My Dear’ de Thelonious Monk; Adaptação e Operação de Luz: Hugo Coelho; Figurino: Vera Mantero; Produção: Pós d’Arte, 1991; Apoio Financeiro: Instituto da Juventude; Outros Apoios: Cia de Dança de Lisboa. Uma Encomenda do Festival Klapstuk 91 no âmbito da Europália Portugal 91
Olympia, 1993
Única descrição desta peça no programa da sala original: Vera Mantero, improvisações, 5 minutos. Acho que ninguém da organização fazia muita ideia do que eu ia fazer. E acho que não demorou só cinco minutos. O programa era o da Maratona para a Dança, uma iniciativa já histórica criada em 1993 por uma série de bailarinos e coreógrafos que tinham decidido fazer o País acordar. Para a dança que nele se fazia. Quando me contactaram para participar, eu respondi entusiasticamente que sim e pus-me a pensar no que poderia fazer para “acordar” as pessoas. Andava por essa altura a ler a “Asfixiante Cultura” do Jean Dubuffet e pareceu-me absolutamente indicado ler passagens do livro naquela ocasião a quem quer que fosse que estivesse presente no Teatro Maria Matos. ‘Mas ler como? E não será um pouco pretensioso ir práli dizer que eu é que sei o que é a verdadeira cultura, a melhor cultura? Se calhar devia estar nua...Tenho que ler o Dubuffet nua. Especada de pé em frente a um microfone? Não, isso não pode ser...Então a fazer o quê? Nua...?’. Esta nudez fez-me então pensar na Olímpia, do Manet, que tinha visto recentemente no Musée d’Orsay, em Paris, onde ainda estava a viver na altura. ‘E se fosse a Olímpia a ler o Dubuffet? Ai!, não!, que horror, aí é que me caem todos em cima, sacrilégio à pintura, etc. etc...’. Contei ao André Lepecki que queria ler o Dubuffet nua mas que não sabia como o fazer sem ser só ler o Dubuffet nua, sem lhe falar sequer do quadro. Então não é que ele me diz: ‘Oh Vera, não te lembras da Olympia do Manet [que tínhamos visto juntos]? Acho que devias fazer qualquer coisa com ela’.[!!!]. E assim fiz.
— Vera Mantero
Concepção e Interpretação: Vera Mantero; Luz: João Paulo Xavier Adaptação e Operação de Luz: Hugo Coelho; Texto: Jean Dubuffet; Música: Extractos de música dos Pigmeus de Baka; Agradecimentos: Ana Mantero e Miguel Ângelo Rocha
(Dança) (Duração) 90’ com 2 intervalos (Classificação) M/12 (Preço) 5€
23h00 | Conversa
Conversa com Vera Mantero e Ana Bigotte Vieira
Entrada gratuita limitada à lotação da sala
25 fev. | sábado | Cinema
Em coapresentação com o Cineclube de Santarém, serão exibidas três sessões com filmes e vídeos dos artistas convidados ou projetos documentais relativos à sua obra.
17h00 | Sessão Mantero
Curso de Silêncio
De Miguel Gonçalves Mendes e Vera Mantero
(versão de Vera Mantero)
Let’s talk about it now
De Margarida Ferreira de Almeida
(Cinema) (Duração) 90’ (Classificação) M/12 (Preço) Entrada gratuita limitada à lotação da sala
Todas as datas
- De 2017-02-24 21:00 a 2017-02-25 18:30